terça-feira, maio 02, 2006

O Terminal

A história é absurda: ao chegar aos Estados Unidos depois de uma longa viagem de avião, Viktor Navorski descobre que seu país de origem, Krakozhia, foi palco de um golpe militar. Como os americanos não reconhecem a legitimidade daquele novo governo, o passaporte do viajante é invalidado. Sem poder entrar na América do Norte ou retornar ao seu próprio país, Viktor é obrigado a passar meses no terminal do aeroporto de Nova York. Pois bem: apesar de absurda, a história é real. Aliás, foi até suavizada: na verdade, o iraniano Merhan Nasseri passou nada menos do que 16 anos no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, permanecendo ali mesmo depois de ter conseguido autorização para sair do prédio (o que, do ponto de vista psicológico, não deixa de ser fascinante).

Depois de dar origem a uma produção francesa em 1993 (Caídos do Céu), o drama de Nasseri atraiu o interesse de Steven Spielberg, que decidiu adaptá-lo novamente para as telonas. Infelizmente, para o cineasta não bastava contar a história de um anônimo surpreendido por uma situação atípica que o obriga a se adaptar a um confinamento quase surreal. No mundo cinematográfico em que Spielberg vive, é preciso mais do que isso; é fundamental ser um herói, uma celebridade, alguém que desperta a admiração de todas as pessoas. Em suma: é necessário ser um personagem, não um indivíduo.

Não é à toa que os melhores momentos de "O Terminal" (2004) se encontram em sua metade inicial, quando conhecemos Viktor e o acompanhamos enquanto descobre que seu país está em guerra e que, conseqüentemente, ele se tornou um "cidadão de lugar nenhum". Sempre eficiente, o excepcional Tom Hanks confere grande carga dramática ao personagem, que precisa lidar com as dificuldades impostas por seu desconhecimento do inglês e com a frustração de encontrar-se em um dilema que nem ele nem os funcionários da Imigração conseguem compreender totalmente. Utilizando um sotaque que consegue ser engraçado sem soar falso, Hanks domina com tranqüilidade os diversos tons do filme, conseguindo provocar o riso ou a emoção do espectador sem carregar em sua composição.

Da mesma forma, Spielberg se sai admiravelmente bem nesta primeira hora de projeção: além de conduzir a trama com segurança, ilustrando a adaptação de Viktor ao terminal (a estratégia utilizada para conseguir dinheiro através da devolução de carrinhos é genial), o diretor cria vários planos memoráveis, como aquele que começa próximo ao rosto do protagonista e se afasta dezenas de metros, sobre uma grua, a fim de retratar o isolamento e a insignificância do personagem frente à situação na qual se encontra. Além disso, a fotografia de Janusz Kaminski, parceiro habitual de Spielberg, é de extrema competência – principalmente se considerarmos que ele estava trabalhando em um set repleto de superfícies capazes de refletir a equipe ou o equipamento.

É uma pena que, gradualmente, "O Terminal" deixe de ser um interessante estudo de personagem e se transforme em um drama tipicamente hollywoodiano – uma mudança que pode ser percebida através da própria alteração sofrida ao longo da projeção pelo personagem de Stanley Tucci, o diretor do aeroporto. A princípio, Frank Dixon é um sujeito que, por não saber o que fazer com Viktor, decide deixá-lo livre no aeroporto com a esperança de que ele tente fugir, o que transferiria o problema para o FBI. Porém, ao perceber que Viktor não pretende sair do terminal sem permissão, Dixon procura encontrar outras formas de resolver a questão, chegando até mesmo a encontrar uma solução e apresentá-la ao imigrante (o que resulta numa das cenas mais engraçadas do filme). Infelizmente, logo em seguida os roteiristas Jeff Nathanson e Sacha Gervasi decidem converter Dixon em um vilão estereotipado, enfraquecendo o conflito ao torná-lo inverossímil (a "raiva" do diretor do aeroporto por Viktor jamais soa autêntica). Como se não bastasse, ainda há uma sugestão de "redenção" que soa simplesmente ofensiva.

Para piorar, o filme apela para uma série de gags físicas que, além de não funcionarem, diluem a força dramática da história: como Viktor vive tropeçando, trombando em portas de vidro, entrando nos banheiros errados e escorregando no chão úmido, o espectador encontra dificuldades para identificar-se com ele, já que o sujeito praticamente se transforma em uma espécie de Inspetor Closeau búlgaro (ou melhor: krakozhiano). Além disso, o roteiro falha ao não explicar por que Viktor, depois de tentar ligar para sua casa no início da projeção, jamais volta a fazê-lo – o que é incompreensível. Para piorar, "O Terminal" inclui uma série de personagens secundários incrivelmente caricaturais, como o latino apaixonado e o indiano exótico.

Apelando até mesmo para uma subtrama romântica boba e totalmente dispensável envolvendo Hanks e a aeromoça vivida por Catherine Zeta-Jones, o filme finalmente desmonta no terceiro ato, quando o motivo da viagem de Viktor (que não vou revelar) é apresentado como se fosse uma grande surpresa. Além de ridícula, a tal revelação soa como uma tentativa desesperada e final de Spielberg para provocar as lágrimas do público – no que acaba falhando.

Curiosamente, foi justamente por se entregar ao maniqueísmo e ao sentimentalismo barato que o cineasta já havia falhado em "Amistad" e "A.I. Inteligência Artificial" - dois outros raros tropeços na carreira espantosamente regular de Steven Spielberg.

(Cinema em Cena)

3 comentários:

Anônimo disse...

Que lição de honestidade muitas vezes é o que falta em nossa vida. assisti éum filme divertido assima de tudo, uma diversão empolgante que contagia.................

Késia Mota disse...

Tolerância é tudo.

Esse filme mostra isso.

Excelente atuação de Tom Hanks.

Excelente filme.

Anônimo disse...

Acredito que mesmo com essa nasalize tão completa do filme pelo autor do texto desse blog, pontos importantes acabaram passando por despercebidos pelo autor. Assistindo ao filme percebi mensagens bem diferentes, por exemplo, uma critica a forma como o emigrante é vilto pelos EUA, e ao “sonho americano”, criticas ao sistema (percebe-se isso na cena em que um homem é preso por transportar remédio sem declaração e é tratado como um traficante), criticas com relação as classes sociais (quando comparam o salário do personagem principal com o de alguém com um trabalho que pareceria muito mais importante), e aí por diante são vários detalhes que me fizeram achar o filme fantástico. Como sou um grande admirador de filmes europeus, onde o efeitos são muito menos importantes que o roteiro, e os detalhes são trabalhados ao máximo, acabo prestando atenção nesses detalhes.