sexta-feira, abril 28, 2006

Lutero

"Lutero" (Alemanha, 2003), versão cinematográfica sobre a vida de Martinho Lutero, o grande reformador do século XVI, é a produção de uma associação de cunho eclesiástico, Thrivent for Luterans. Filmada em 2003, conta com a direção de Eric Till, experimentado cineasta, e a participação de grande elenco de estrelas, dentre as quais se destaca a lendária figura de Peter Ustinov, no papel de Frederico da Saxônia.

O filme em si, segundo o princípio pedagógico que sustenta a idéia de que a aprendizagem pelo ouvir aumenta em proporções maiores pelo ver, já é uma significativa contribuição ao conhecimento histórico daquela fase do Cristianismo. Nesta resenha, não se pretende estruturar uma crítica dos elementos e recursos da dramaturgia que envolvem a encenação; mas destacar alguns aspectos históricos e teológicos, que por divergência ou omissão, se prestam a tal finalidade.

** LUTERO DIVIDIU A IGREJA?

No filme, a figura de Lutero ressalta na projeção de quase todas as cenas gravadas. Começa com a decisão de se tornar monge, ao sofrer os efeitos aterradores de uma seqüência de raios a cair no campo que ele atravessava. Seu martírio, nas cenas de auto-flagelação, corroboram a luta de consciência que experimentava por causa do sentimento de culpa. Seu reconhecimento sobre os méritos de Cristo, como causa única de perdão, o levam a contrariar as propostas do papado, de salvação mediante a venda de indulgências. Dessa maneira, Lutero torna-se o líder de multidões, enfrentando com coragem as pressões políticas da autoridade Real e da Igreja; apesar da fisionomia calma, quase impassível, que mostra em todo momento o ator que o representa.

Esses fatos, encenados dessa maneira, parecem confirmar o propósito dos idealizadores - o qual está claramente exposto no cartaz principal do filme, com os seguintes epítetos: “O Homem que Mudou o Mundo”, e “O Homem que dividiu a Igreja”.

Ninguém duvida que Lutero tenha sido o grande reformador da Igreja; mas, que ele e só ele tenha efetuado essa obra, é, no mínimo, ignorar o papel desempenhado por dois movimentos que o precederam, cuja função foi a de aplainar sua estrada de atuação. Esses dois movimentos foram a Pré-reforma e o Humanismo.

A Pré-reforma não foi um movimento unificado que apresentasse características típicas de uma organização social. Foi, sim, a contribuição individual, algumas vezes o clamor de eremitas emitindo vozes para os quatro ventos, clamando por uma nova forma de religiosidade. A Pré-reforma foi o despertar de uma nova aurora tanto racional como religiosa com a finalidade de tornar a Igreja uma sociedade capaz de manter comunhão com Deus e cumprir sua missão.

Enumerar esses paladinos da nova esperança é só uma tentativa obstinada de manter na memória alguns personagens como Cláudio de Turim, Pedro de Bruys, Arnaldo de Brescia, Pedro Valdo, Tanquelmo, Eudo de Estela, Pedro Grossetete, Wicleff, João Hus, Savonarola - alguns dos quais testemunharam suas aspirações com a própria vida.

Não menos relevante e oportuno, para o processo de reforma, foi o movimento filosófico literário denominado “Humanismo”. Embora as pretensões das principais figuras desse movimento não tivessem o ideal de religiosidade, suas obras foram um desafio e acusação contra o autoritarismo e corrupção do papado. Figuram entre esses autores: Francesco Petrarca, cujas obras escritas em latim condenavam a corrupção do clero; Giovanni Boccaccio, autor de Decamerone, obra de humorismo anti-clerical; Tomas Morus, que deixa transparecer seus desejos de reforma com suas obras Utopia e Restitutio Christianismi; Francesco Fillelfo, que propõe na sua obra Theologia Platonica da Immortalitate Animorum uma nova fórmula de salvação; Dante Alighieri, com sua Divinita Commedia, condena ao inferno vários prelados da Igreja; Erasmo de Rotherdam, contemporâneo de Lutero, escreveu Moriae Encomium, uma sátira contra o clero.

** IGNORÂNCIA E SUPERSTIÇÃO: ARMAS DO PAPADO

No filme, nas cenas em que Lutero aparece transitando pelas ruas da Roma papal, o espectador tem uma clara imagem da deplorável condição social da maioria das pessoas, consideradas súditos do rei e devotos do papa. Essa condição social pode ser expressa em dois termos: ignorância e superstição. Foram essas condições as desejadas pelo papado para configurar seus projetos de domínio das consciências humanas. A ignorância deixava as pessoas na incapacidade de visualizar a forma correta de aproximar-se de Deus; a superstição permitia ao papado extorqui-las com ameaças do fogo infernal.

As cenas projetadas, que exibem essa condição social, impressionam ao apresentar multidões de famintos e esfarrapados, vítimas anônimas da exploração clerical, depositando nos cofres papais suas míseras moedinhas, para poderem eles e seus queridos falecidos se livrar das assaduras eternas do inferno. O próprio Lutero segue, em cena, uma longa fila para apreciar com reverência o crânio de João Batista, e na condição de penitente, ascende de joelhos sobre os degraus da “Escada de Pilatos”, aquela que, segundo o papado, Jesus subiu durante seu julgamento e que foi levada por anjos até seu lugar, em Roma. Logicamente, esses objetos como todas as relíquias dessa época eram fraudulentos.

A corrupção, do ponto de vista da imoralidade sexual, tem no filme uma pequena cena reveladora, quando um prelado, vestido a caráter, e uma prostituta concordam em ter uma relação sexual. Essa encenação, sendo a única desse gênero, chega até absolver da falta de pudor a cúpula do papado. Mas, a História não o fará.

Nos decênios e séculos precedentes ao período da Reforma Luterana, o palácio papal chegou a ser transformado em antro da mais profícua forma de depravação. Ali foram engendrados inúmeros filhos, alguns dos quais protagonizaram as mais temíveis atitudes de delinqüência e imoralidade, como Crescêncio, filho da inescrupulosa Teodora com o papa João X; Jerônimo Riário, com excessiva ambição de poder e assassino, filho do papa Sixto IV; os seis filhos do papa Inocêncio VIII, enriquecidos com o favor da imunidade e da violência; César Borgia, filho do papa Alexandre VI, cuja vida inspirou o que de mais perverso pode a literatura expressar.

Devido à condição social das pessoas, naquele período da História e da corrupção do papado, o ambiente para uma execução reformadora dos procedimentos da Igreja e dos meios de alcançar a salvação, estava plenamente configurado. O último impulso para dar início ao movimento reformador foi determinado pela presença do representante papal, oferecendo os benefícios das indulgências.

Nas cenas do filme, o representante papal, Tetzel, aparece numa atitude semelhante à de traficante de quinquilharias, porém, aureolado com ostentação e truculência quando deixa passar a palma da mão pelas chamas de uma tocha acesa, diante dos olhares atônitos do povo supersticioso. Poderia ser mais objetivo o apelo para a compra de indulgências?

As convicções de Lutero sobre a comercialização de indulgências era o oposto das propostas papais. A reação dos prelados foi decisiva e em certa medida contundente. Finalmente, Lutero foi intimado a depor na Dieta de Worms, diante da sua majestade o jovem rei Carlos V. Perante representantes da Igreja e dos nobres da Europa, Lutero, diante do inquisitorial pedido de retratação, respondeu na altura e profundidade que a ocasião requeria: não se retrataria das suas idéias.

** LUTA DE CLASSES

No filme, a resposta de Lutero, soa como o grito libertário de uma classe oprimida, e é seguida por consignas de ordem política que descambam em atitudes de terror e pilhagem. Essas cenas, as quais provavelmente reproduzem o que realmente aconteceu, só tendem a confirmar a teoria de Karl Marx sobre a História. Para esse teórico social, os eventos históricos acontecem como uma expressão de luta de classes; ou seja, o encontro em ambiente de beligerância, de grupos sociais qualificados como opressores e oprimidos, ou ricos e pobres. Os primeiros estariam representados pelos prelados católicos, e os outros estariam representados pelas camadas sofredoras do povo indefeso.

Nos registros da História se encontra a rebelião armada de camponeses que ocorreu no ano 1525, na Alemanha, ou seja, pouco depois da Dieta de Worms. A causa desse levante era a situação social e econômica à qual estavam submetidos os camponeses. O Feudalismo os havia reduzido a um estado de virtual “escravidão”, sem proteção das leis. Dessa forma, estimulados pela rebelião religiosa propiciada por Lutero, os camponeses ficaram mais fortes e decididos nas suas pretensões, e a Reforma se tingiu com a cor da política e o movimento social. O próprio Lutero procurou conciliar as facções, e não conseguindo, condenou a rebelião dos camponeses. Cabe destacar que a repressão dos latifundiários sobre os camponeses foi executada com crueldade.

Fica difícil, através das cenas do filme, tentar argumentar a favor da influência positiva, ou melhor, da elevação de espiritualidade que os argumentos sobre a salvação, resumidos na consigna “o justo viverá pela fé”, tenha causado entre as multidões daquela época. Em lugar da piedade, surge a intolerância; a consagração a Deus cede ao instinto de vingança; a fraternidade cristã é substituída pelo rancor e morte de milhares de pessoas, algumas vítimas indefesas.

** MAIS DO QUE JUSTIÇA SOCIAL

No filme, as escassas cenas de ambiente de prosperidade espiritual promovida pelo movimento de Lutero se observam na reunião dos príncipes que apóiam a causa luterana, celebrada antes do encontro com o rei Carlos V. A outra é na atitude de humildade diante do rei Carlos V, na Dieta de Ausburgo, confirmando sua decisão de não seguir as tradições católicas, ainda que essa atitude lhes custasse a própria vida. Era o “protesto” dos príncipes, embora nas cenas permaneçam excluídas e nem sequer se faça menção da “Confissão de Ausburgo”, que contém a declaração da doutrina da salvação mediante a fé em Cristo Jesus.

Independente da humilde atitude dos príncipes presentes na Dieta de Ausburgo, a História registra a conformação de uma aliança militar, denominada Liga de Torgau que tinha a finalidade de preservar os principados da autoridade católica. Mais tarde, a expansão do luteranismo determinou a conformação de outra aliança, denominada Liga de Smalkalda, que teve seu fim trágico no ano 1547, na batalha de Mühlberg, onde foram fragorosamente derrotados pelos exércitos de Carlos V.

Concluímos com uma favorável asseveração sobre o filme na sua apresentação plena. No entanto, é preciso destacar, em síntese, que o movimento de Lutero, embora tenha sido levado pelos ventos da reivindicação político-social, permitiu que o cristianismo ou os seguidores de Cristo e seu evangelho bíblico tivessem a oportunidade de conhecer o verdadeiro processo de redenção: a justificação pela fé.

Dr. Rúben Santos Aguilar é professor de História do Cristianismo do Curso de Teologia do Centro Universitário Adventista, Campus Engenheiro Coelho (SP). Texto originalmente publicado na revista eletrônica Kerygma.

quinta-feira, abril 27, 2006

A Paixão de Cristo: espaços demarcados

Êxtase, repulsa e euforia são algumas das expressões mais adequadas para descrever o turbilhão de reações suscitadas pela exibição do polêmico e controverso "A Paixão de Cristo" (The Passion of the Christ, Estados Unidos, 2004), de Mel Gibson. Tudo ou quase tudo já se falou a respeito do conteúdo da película. Contudo, a carnificina extensa e o impacto causado pelas cenas chocantes e interpretadas em latim e aramaico impediram que o espectador médio passasse do nível da sensação para o da percepção.

Nesse contexto, é mais relevante interpretar o efeito do que a forma, apesar de ambos estarem interligados. A recepção diversa que "A Paixão" teve em vários segmentos religiosos revela que estes demarcam cada vez mais seus espaços ideológicos, o que, inevitavelmente, gera guerra e preconceito.

Uma análise pormenorizada sobre a recepção de "A Paixão" revela duas espécimes dessa demarcação. A primeira, mais óbvia e mais propagada, é a visão da comunidade judaica. Segundo a maioria dos rabinos, o filme reafirma a idéia de que foram os judeus os verdadeiros e únicos responsáveis pela crucifixão de Jesus, suscitando o anti-semitismo.

Ora, o filme não é anti-semita. Enfatiza, é verdade, a participação histórica dos judeus no assassinato, mas não busca responsabilizá-los. O próprio Gibson garante que não teve nenhuma intenção preconceituosa ao produzir o filme. Infelizmente, o purgatório dos católicos e o inferno dos judeus está repleto de boas intenções. "A Paixão" não escapa dessa máxima.

A perseguição e o sofrimento milenares ainda fazem parte do cotidiano dos judeus. Somente o Holocausto seria um bom exemplo. Como o cinema, por si só, pressupõe certa subjetividade, o que dá vazão a várias interpretações da mesma imagem, é compreensível que as cenas de Jesus sendo espancado por uma turba judaica e a clara exigência de sua morte por seus líderes religiosos reabram feridas que, vez ou outra, ainda insistem em sangrar.

Na defensiva, essa gente denuncia que ainda não se perdoou pelo triste episódio e que o preconceito, por mais paradoxal que isso possa parecer, renasce em seus próprios corações dia após dia. Os judeus demarcam, assim, seu próprio espaço.

** DE UM CATÓLICO PARA EVANGÉLICOS

Num foco distante da Palestina, "A Paixão de Cristo" também denota a demarcação dentro da própria religião cristã. Ironia: apesar de Gibson praticar o catolicismo ultraconservador, o grande público apreciador de seu filme concentra-se na ala evangélica. Recepção no mínimo curiosa, principalmente quando se constata que os evangélicos sempre condenaram a produção de Hollywood.

Com o lançamento do filme no Brasil, ocorreu verdadeira fidelização por parte desse segmento. Registraram-se peregrinações de grupos evangélicos ao cinema, compra e aluguel exclusivo destes por alguns segmentos e a exibição pública no interior de seus templos durante a sexta-feira da Paixão.

Ao analisar-se o perfil da película e do discurso evangélico em geral, percebe-se que ambos se assemelham. O primeiro faz uma leitura das doze últimas horas da vida de Jesus, com ênfase em sua dor física, e deixa em segundo plano sua vida e seus ensinamentos; o segundo - apesar de protestos contrários - faz basicamente o mesmo. Apelos em pregações, produção literária e musical e aplicação para a vida cotidiana sempre acabam levando para a cruz, seja qual for o caminho.

Adicione às similaridades o alto grau de emoção e sensação que ambos, filme e culto evangélico, proporcionam. Fiéis dirigem-se ao cinema como quem vai a um culto: emocionam-se, choram, ensaiam conversões.

Por outra senda se enveredam os membros da Igreja Católica. Para seus praticantes mais conservadores (com exceção do próprio Gibson), a forte carga de violência é desnecessária. Na doutrina católica, a cruz é um pouco menor, a fim de dar espaço para a santidade de Maria, ausente na película. Já a conversão emocional é substituída pelas rezas e terços, também inexistentes em "A Paixão". Por fim, o filme acerta na divulgação de duas de suas doutrinas, o lenço de Verônica e o Santo Sudário. Mas não é dos melhores; é preferível o poder francamente catequizador de "Maria, Mãe do Filho de Deus".

Sem preconceitos. Estes são apenas dois vieses do cristianismo escolhidos pelo segmento evangélico e católico, respectivamente, para visualizar a fé. O fato é que uma observação atenta do público de "A Paixão" demonstra o abismo ideológico entre as denominações. O filme dá, assim, munição para a guerra entre católicos e evangélicos.

** CINEMA ECUMÊNICO?

Mel Gibson não pretendia ser ecumênico; a produção cinematográfica também não. Vieses e estereótipos são ingredientes garantidos ao se tratar de cinema. O problema é que produções religiosas sempre causaram e sempre causarão espasmos e vertigens. O grande problema é que a polêmica não traz remissões, mas espaços demarcados com cada vez mais ênfase.

Serve de consolo que o próprio Cristo afirmou que não veio trazer paz, mas sim espada. Ao que parece, Gibson achou-se no direito de agir sob o mesmo princípio.

Fernando Torres é jornalista e editor assistente na Casa Publicadora Brasileira.

terça-feira, abril 25, 2006

Os Miseráveis

“Os Miseráveis” (1998), dirigido por Billie August, é um dos melhores (senão o melhor) filmes que já assisti. É a brilhante adaptação do clássico romance homônimo de Victor Hugo. O filme conta a história de Jean Valjean (Liam Neeson) que, depois de cumprir 19 anos de prisão com trabalhos forçados por ter roubado comida, é acolhido por um bondoso bispo (Peter Vaughan), que lhe provê alimento e abrigo. Não resistindo aos seus impulsos, no meio da noite Jean rouba a prataria da casa e agride seu benfeitor. Na fuga, o ladrão acaba preso pela polícia que o leva até o bispo. Os policiais perguntam ao religioso se aquela prataria é dele. O bispo diz que havia dado aquilo a Jean e ainda pergunta por que ele tinha esquecido os castiçais. A atitude perdoadora daquele homem devolve a fé que o amargurado Jean havia perdido fazia tempo.

Nove anos depois, o senhor Valjean é uma pessoa totalmente diferente. Havia se tornado prefeito e o principal empresário em uma pequena cidade. Mas sua paz acaba quando Javert (Geoffrey Rush), um guarda da prisão onde Jean esteve, desconfia de que o prefeito é o ex-prisioneiro que nunca se apresentou para cumprir as exigências da liberdade condicional. A penalidade para essa falta era prisão perpétua, mas o guarda não consegue provar que o prefeito e Jean Valjean são a mesma pessoa.

Enquanto Javert procura incriminar Jean, uma das empregadas do empresário, Fantine (Uma Thurman), é despedida e se vê obrigada a se prostituir para sobreviver e alimentar a filha pequena, que é criada por terceiros. Fantine acaba presa e fica muito doente. Descobrindo o que aconteceu com sua ex-empregada, Jean usa sua autoridade para libertá-la e a acolhe em sua casa. Vendo Fantine à beira da morte, o prefeito promete cuidar da filha dela. No entanto, antes de pegar a criança, sente-se obrigado a revelar sua verdadeira identidade, a fim de evitar que um prisioneiro, que acreditavam ser ele, seja preso em seu lugar.

Daí para frente, Javert volta a perseguir Jean, Fantine morre e o ex-prefeito foge com a filha dela, sendo perseguido durante anos pelo implacável Javert. O desfecho da história é muito emocionante. Mas prefiro não contá-lo. Assista ao filme ou, melhor ainda, leia o ótimo livro de Hugo. Disso você não vai se arrepender.

"Os Miseráveis" é uma história que fala de nobreza, perdão e compaixão. Valores cristãos por excelência.

Michelson Borges é jornalista e autor do livro Nos Bastidores da Mídia (www.cpb.com.br).

Jovem gosta é de autoridade

O jornalista Silóe de Almeida, que é também pastor adventista, disse certa vez que os jovens gostam de alguém que saiba usar autoridade, diferente do senso comum que apóia a idéia de rebeldia juvenil, aquela que não escuta ninguém, não respeita hierarquia e demonstra tendência para a marginalidade. Ele acredita que essa visão é imposição da mídia, aliada a uma busca de rumo perseguida pela própria juventude. Para o jornalista, a mais clara demonstração de que os jovens anseiam por autoridade é o crescimento da conversão de jovens ao Islamismo na Europa, uma religião com regras rígidas, e que aponta caminhos claros.

Lembrei dessa declaração após assistir "Coach Carter - Treino para a Vida" (2004), filme magistralmente estrelado pelo ator Samuel L. Jackson e dirigido por Thomas Carter. Trata-se de uma história baseada na incrível experiência de Ken Carter como professor do time de basquete da Richmond High School, que não conseguia vencer uma partida sequer.

O filme começa mostrando a chegada de um novo professor de basquete a uma escola típica das comunidades negras e pobres americanas, onde os jovens parecem à margem de qualquer cuidado governamental, demonstram nenhuma perspectiva de futuro e muito menos respeito a qualquer tipo de ordem estabelecida. Fica evidente o envolvimento dos jovens com as drogas, apesar de não ser explorado no roteiro (deixando claro que é possível, sim, fazer bons filmes sem consumo explícito de drogas, violência e sexo, por exemplo). Nesse cenário, surge o professor Carter, com a missão de resgatar a auto-estima dos jovens jogadores de basquete, notadamente um dos valores da escola.

Ao chegar, porém, Carter mostra ser mais do que um mero técnico esportivo. Evocando disciplina rígida, quase militar, ele conquista o respeito dos alunos rebeldes. Aos poucos, eles assimilam os regulamentos de Carter. As vitórias no esporte começam a aparecer. Mas surge um problema: os alunos não correspondem com um bom aproveitamento escolar, uma das exigências que Carter estabeleceu no contrato.

Na medida em que os estudantes não conseguiam bons resultados escolares, Carter cancela treinos e até jogos, no momento em que o time escolar já é um orgulho no bairro. A revolta é geral. Pais e professores protestam contra o professor. Ameaçam romper com as regras estabelecidas por Carter. Para eles, o professor Carter é um empecilho para aquele momento, que consideram ser o melhor que aqueles jovens podem conseguir. A partir daí, o professor tenta mostrar que há um futuro esperando por aqueles jovens, que ia muito além das quadras de basquete.

O filme mostra como é importante ter alguém que mostre uma perspectiva de futuro aos jovens. Carter oferece para seus atletas algo mais do que a glória momentânea do esporte, algo que nem os pais entendem. O técnico oferece uma vitória na vida, algo permanente, conseguido pelos estudos e que não foi conquistado pelos pais, vítimas de um sistema que os impedia de ter uma saudável ambição na vida.

Coach Carter deixa lição maravilhosa. É um dos filmes imprescindíveis, especialmente para quem trabalha com jovens. Mostra que relativizar preceitos e regulamentos para parecer simpático, por exemplo, nem sempre é o melhor caminho, e nem é isso que os jovens querem. Como sempre, e a despeito de toda uma cultura em contrário, é importante ter alguém que aponte para bons caminhos.

Heron Santana é jornalista em Recife, PE. Texto publicado originalmente no blog Parajornalismo.

O Oscar Schindler adventista

Depois que intensifiquei alguns projetos e comecei meu MBA na Universidade de Pernambuco, tenho tido cada vez menos tempo para coisas de que gosto, como ler, por exemplo. Ou assistir algo como "Hotel Ruanda" (2004), um contundente relato do que foi o genocídio nesse país da África, resultando na morte de 800 mil pessoas.

O filme conta a história de Paul Rusesabagina (brilhantemente interpretado pelo ator Don Cheadle), gerente do Hotel Des Milles Collines, por ocasião do recrudescimento do ódio entre as duas etnias que dividem o povo ruandês: os hutus e os tutsis. O acirramento aumentou com a morte do presidente Habyarimana, fiador de um acordo de paz entre as etnias. O líder, da tribo hutu, foi morto por membros do seu próprio partido, que não tardaram em culpar os tutsis e iniciar o maior massacre da história contemporânea.

Paul, um hutu, era casado com a tutsi Tatiana (Sophie Okonedo) e usou todas as suas influências com pessoas ligadas ao governo, guerrilha e militares para salvar a vida de sua família. Como manda-chuva do luxuoso hotel, "um oásis no deserto", ele faz mais do que isso. Salva 1.268 pessoas, refugiados, órfãos, feridos que conseguem chegar ao hotel e por algum detalhe divino escapam do triste destino de virarem meras estatísticas na lista de assassinados. Para proteger o local e os "hóspedes", Paul subornou com dinheiro, bebidas, charutos e o que mais tinha à mão e, quando o material acabou, apelou à vaidade alheia e à influência do dono belga (Jean Reno) da rede hoteleira, que tinha ligações próximas com primeiros-ministros e generais.

O filme se desenvolve em uma narrativa simples, quase didática, como se o diretor Terry George sentisse a necessidade de que todos entendessem o que aconteceu naquele país. A postura de Paul deixa uma extraordinária lição sobre como se comportar em momentos de crise intensa, como desenvolver uma negociação em situações extremas, e uma sensivel demonstração de vontade de salvar vidas sem nenhum valor em uma terra dilacerada.

O mais interessante é que o verdadeiro Paul Rusesabagina (na foto ao lado, à esquerda do ator Don Cheadle) estudou durante 12 anos em um colégio adventista do seu país, e formou-se em Teologia em Camarões, como você pode conferir nesta apresentação em PowerPoint. Conhecer a história desse líder ajuda a entender a postura de movimentos cristãos no episódio.

Heron Santana é jornalista em Recife, PE. Texto originalmente publicado no blog Parajornalismo.

segunda-feira, abril 24, 2006

Um grito no escuro

O ano de 1980 foi marcado por uma tragédia em M. T. Isa, Estado australiano de Queensland. O pastor adventista Michael e sua esposa Lyndi Chamberlain saem de férias com seus filhos Aldam, Reagan e Azaria. À noite, no acampamento em Ayers Rock (a maior rocha do mundo), Lyndi vê sua filha Azaria, de dois meses, ser atacada e levada por uma espécie de cão selvagem (dingo). Michael e Lyndi, desesperados, saem à procura do bebê, contando com a ajuda de outros acampantes e da polícia. Em vão. O corpo não é encontrado e a imprensa noticia o fato de maneira sensacionalista, criando boatos sobre sacrifícios e cultos estranhos. A família Chamberlain faz declarações à imprensa que as distorce, transformando-as em acusações. Lyndi acaba presa, condenada por assassinato. Oito anos depois do desaparecimento de Azaria, Michael e Lyndi são inocentados.

Esta história acabou rendendo um livro – Evil Angels , de John Bryson – que foi adaptado num filme dirigido por Fred Schepisi: “Um Grito no Escuro” (1993). O filme ganhou quatro Globos de Ouro (prêmio anual atribuído pela crítica estrangeira em Nova Iorque) e o prêmio de melhor atriz para Meryl Streep (no papel de Lyndi Chamberlain), no Festival de Cannes, além de uma indicação para o Oscar. Schepisi já havia trabalhado com Streep em “Plenty – O Mundo de uma Mulher”, e em “Um Grito no Escuro” conseguiu novamente tirar o máximo de sua atriz preferida.

Logo no início do filme, vê-se um caminhoneiro passando em frente a uma igreja adventista do sétimo dia e exclamando: “Adventistas desgraçados!”, deixando claro o preconceito de algumas pessoas em relação à igreja. Em Ayers Rock, um acampante estranha o fato de Michael (San Neill) não beber álcool e estar comendo um bife vegetariano, já que os adventistas procuram usar uma alimentação natural. Mas, depois do incidente com o bebê, o que mais deixa o público desconfiado é a reação da mãe, que parece aceitar, consolada, a trágica morte da filha. O público e a imprensa parecem ignorar que os adventistas crêem na ressurreição dos mortos por ocasião da segunda vinda de Cristo, uma de suas principais crenças. Mas ninguém, nem mesmo os repórteres, se detém para perguntar sobre isso.

Em busca de uma entrevista com Michael, um jornalista esconde seu real objetivo, dizendo que a matéria servirá para advertir o povo sobre o perigo dos dingos. O pastor aceita dar a entrevista, mas, na edição, suas declarações são totalmente manipuladas. “Notícia é arte”, diz irresponsavelmente o editor.

Dias depois, um turista encontra as roupinhas da criança morta e as recoloca no local, dobradas. A situação piora para Lyndi e uma série de boatos são criados: “Adventistas não gostam de crianças normais, e Azaria não era normal”; “Azaria significa sacrifício na selva”, e por aí vai.

Os forenses erram na avaliação das roupas, enquanto a polícia faz uma revista na casa dos Chamberlain, não respeitando sequer o sábado, dia sagrado segundo a Bíblia, e dedicado exclusivamente à religião a às obras assistenciais pelos adventistas. Os investigadores acabam encontrando um caixão de defunto, utilizado pelo pastor em palestras contra o tabagismo. Nesses cursos, o ministro costumava pedir aos fumantes que jogassem dentro do caixão seus maços de cigarro, numa atitude simbólica de trocar a morte pela vida. Mas alguém pergunta isso ao pastor? Não. E novos boatos surgem.

Lyndi é condenada à prisão perpétua com serviços forçados, tudo baseado em depoimentos contraditórios dos especialistas, e não havendo nenhuma prova conclusiva.

Em 1988, oito anos após o incidente, policiais encontram o casaquinho de Azaria, exatamente como Lyndi o descrevera, sendo assim inocentada. A frase final do pastor à imprensa resume todo o drama e sua solução: “Vocês não sabem o quanto vale a inocência para os inocentes.”

Michelson Borges é jornalista, redator da Casa Publicadora Brasileira e autor do livro Nos Bastidores da Mídia (www.cpb.com.br). Texto originalmente publicado no site do Curso de Jornalismo da UFSC.

quinta-feira, abril 20, 2006

Escolhendo bons filmes

Dicas para escolher filmes

Chega o sábado à noite e os amigos estão reunidos, pensando em alguma atividade recreativa. Até que alguém sugere: "Que tal assistirmos a um filme?" Os demais concordam com a idéia e vão até a locadora para escolher um DVD. E agora? O que alugar? Que critérios utilizar?

Esta seção do blog tem como objetivo justamente oferecer boas sugestões de filmes. As resenhas foram produzidas por profissionais de comunicação cristãos.

Mas antes de assistir qualquer produção, leia o texto a seguir, que foi extraído do capítulo 7 do livro Nos Bastidores da Mídia (www.cpb.com.br). Creio que estas dicas podem ajudar na escolha de filmes.

"A escolha de um filme para assistir não é simplesmente uma decisão do tipo “o que faremos hoje à noite?” Essa é uma escolha que causa impacto em nossa vida espiritual. Portanto, antes de alugar um vídeo ou assistir a um filme pela TV, leve em consideração os seguintes conselhos:

"1. Antes de avaliar um filme, conheça o máximo que puder sobre ele. Leia os resumos nos jornais e nas revistas. Lembre-se que 'a maioria dos filmes da TV é analisada pela imprensa. Naturalmente, essas revistas não são necessariamente feitas segundo a perspectiva cristã, e nem sempre os críticos são justos. Freqüentemente eles adotam uma atitude elitista para com o cinema popular. A despeito de tudo isso, as críticas oferecem perspectivas sobre o que a mídia está apresentando, e são uma fonte de esclarecimento ao espectador. Outra maneira de assistir aos filmes de uma perspectiva cristã positiva é discuti-los com outros depois do espetáculo, analisando particularmente seu sistema de valores. Essa prática ajuda a aperfeiçoar a capacidade de compreensão do filme, observando e comparando as perspectivas de outras pessoas que podem ampliar nossa própria opinião, chamando-nos a atenção a aspectos que antes nos escaparam à observação'. – Daniel Reynaud, Diálogo Universitário, 14:3 2002, pág. 17. Se for consultar alguém que já assistiu ao filme que você tem em vista, pergunte como os membros da família responderam ao filme. Eles compreenderam a mensagem? Ficaram com medo diante de alguns efeitos especiais? Foi necessário parar o filme e explicar alguma parte para as crianças?

"2. Avalie os princípios morais. O vídeo ensina atividades e comportamentos que desejo sentir e seguir? Esse critério ajuda a descartar filmes que enaltecem a violência, o adultério, o consumo de drogas e outros aspectos que se opõem aos princípios divinos. Lembre-se de que tudo o que você vê e ouve em um vídeo torna-se parte de você.

"3. Avalie a virtude. Os valores sexuais do vídeo estão em conformidade com os que aceito? Geralmente, os filmes retratam o sexo como uma aventura, raramente relacionado com o contexto do casamento. O conteúdo das mensagens sexuais é fácil de ser descoberto. Os resumos dos filmes podem nos orientar, assim como as pessoas que já os assistiram. Não é preciso (nem se deve) alugar um vídeo que faz com que a mãe tenha que sair correndo para interromper o filme.

"4. Avalie a qualidade. Qual é a qualidade da produção do vídeo. Muitos filmes são simplesmente maus produtos, criações que não valem o tempo de ninguém. Se os comentaristas de filmes debocham da qualidade, fique alerta. Seu lar merece algo melhor e sua mente não foi criada para receber lixo.

"5. Avalie a emoção. O filme me deixará com o humor saudável? Dick Duerksen, em artigo publicado na Adventist Review, de 16 de janeiro de 1997, lembra que Colossenses 3 descreve as mudanças de humor que ocorrem quando permitimos que Cristo elimine as más emoções e nos revista com os traços do caráter de Deus. Ira, rancor, malícia, lascívia, cobiça e mentira são substituídos por compaixão, bondade, humildade, perdão e amor. 'Uma vida centralizada em Cristo', escreve ele, 'é um poderoso substituto para o mau humor – o abandono daquilo que é destrutivo e a adoção do produtivo.' Comparar o conteúdo dos vídeos com os traços de caráter que você escolheu para modelar seu lar é uma das avaliações mais eficazes. Os vídeos devem reforçar as boas emoções que você escolheu, não mudá-las.

"6. Avalie a memória. Será agradável ter esse vídeo retido na mente? Todas as imagens dos filmes que você já assistiu estão armazenadas em uma porção recuperável de seu cérebro – um banco de informações ao qual você, Deus e Satanás têm acesso. Deus pode lembrá-lo dos segmentos que se enquadram em Seus propósitos. Mas Satanás também. E o inimigo muitas vezes usa essas memórias para atrapalhar-nos, no exato momento em que Deus nos tem no limiar de tomar uma boa decisão. Faça sempre de Filipenses 4:8 o critério para avaliar aquilo que deve ou não entrar em sua memória."